quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Jesus Cristo é o "Centro da Espiritualidade Sacerdotal"

Quem é o modelo por excelência da Espiritualidade Sacerdotal: Maria ou Jesus?

A Santa Mãe Igreja tem um profundo carinho e respeito pela pessoa de Maria. Este carinho todo especial é porque Maria é a mãe de nosso Senhor Jesus Cristo, o Filho de Deus; pelo seu testemunho de fé em Deus. Além disso, a Igreja afirma com veemência que Maria é Mãe de Deus (cf. Concílio de Éfeso 431). Jesus é Deus (cf. Is 7,14; Jo 1.1.14; 10.30; 14,7.9-11). Assim, Maria é a mãe do Senhor (cf. Lc 1,43).
A Mãe do Salvador é cheia da graça de Deus (cf. Lc 1,28), repleta da misericórdia de Deus. Ela nunca foi uma mulher arrogante, “metida”, auto-suficiente, invejosa, hipócrita, mas humilde, simples, honesta, verdadeira, caridosa, fiel, obediente, temente a Deus; uma autêntica evangelizadora, missionária, “Serva do Senhor” (Lc 1,38).
Por isso, a Lumen Gentium diz que “Todos os fiéis cristãos supliquem instantemente á Mãe de Deus e Mãe dos homens, para que Ela, que com suas preces assistiu ás primícias da Igreja, também agora exaltada no céu sobre todos os Santos, interceda junto a seu Filho até que todas as famílias dos povos, tanto as que estão ornadas com o nome de cristão, como as que ainda ignoram o seu Salvador, sejam felizmente congregadas na paz e concórdia, no único Povo de Deus, para a glória da Santíssima e Indivisa Trindade” (nº. 69).
Maria de Nazaré viveu em profunda comunhão com Deus e o próximo. A Mãe de Deus foi uma mulher pura, santa. A mulher de Nazaré é santa por causa de Deus, pois, ninguém é santo sem Deus. Este é a fonte da santidade, o Santo por excelência (cf. Is 6,3).
Diante desta síntese sobre o amor que a Igreja tem pela Mãe de Deus, cabe-nos responder a pergunta fundamental deste simples artigo: Quem é o modelo por excelência da Espiritualidade Sacerdotal: Maria ou Jesus? Ora, podemos asseverar, sem medo de errar que o modelo por excelência da Espiritualidade Sacerdotal não é a Mãe Santíssima, mas o Senhor Jesus Cristo. Ele (Cristo) é a essência do ministério sacerdotal porque é Filho de Deus, o Salvador.
A Exortação Apostólica de Paulo VI: O culto da virgem Maria, diz que “Cristo é o modelo supremo, ao qual o discípulo deve conformar o próprio comportamento [...], até chegar ao ponto de ter em si os seus mesmos sentidos [...], viver da sua vida e possuir o seu Espírito [...]: foi isto o que a Igreja ensinou em todos os tempos e nada, na atividade pastoral, deve ensombrar jamais esta doutrina” (nº. 57).
E mais ainda, João Paulo II escreve na Redemptor Hominus que: “O Redentor do homem, Jesus Cristo, é o centro dos cosmos e da história” (nº. 1).
Quem instituiu o sacerdócio não foi a Bem-aventurada Virgem Maria, mas o Redentor (cf. Mc 3,13). O Filho da Virgem Maria criou o sacerdócio para continuar a sua missão salvífica: proclamar o Evangelho a toda criatura (cf. Mc 16,15), fazer a vontade do Senhor (cf. Jo 6,38), pregar o Reino dos Céus (cf. Lc 9,2), amar a Deus e ao próximo (cf. Mt 22,37.39).
A vocação sacerdotal é dom de Cristo Jesus, pois quem escolhe é o próprio Senhor (cf.15,16). Assim, o sacerdócio não é mérito humano, e sim do coração de Jesus. Mas, afinal, o que é um sacerdote? Em poucas palavras, podemos dizer que o sacerdote é um ministro do Senhor Jesus. Ou seja, os sacerdotes “são servos do Cristo e administradores dos mistérios de Deus” (1 Cor 4,1).
Neste contexto, a Pastores Dabo Vobis afirma que “[...] o presbítero encontra a verdade plena da sua identidade no fato de ser uma derivação, uma participação específica e uma continuação do próprio Cristo, sumo e único Sacerdote da nova e eterna Aliança: ele é uma imagem viva e transparente de Cristo Sacerdote. O sacerdócio de Cristo, expressão da sua absoluta “novidade” na história da salvação, constitui a fonte única e o insubstituível paradigma do sacerdócio do cristão, e, especialmente, do presbítero. A referência a Cristo é, então, a chave absolutamente necessária para a compreensão das realidades sacerdotais” (nº. 12).
O magnífico Documento de Aparecida diz também que: “O presbítero, à imagem do Bom Pastor, é chamado a ser homem de misericórdia e compaixão, próximo a seu povo e servidor de todos, particularmente dos que sofrem grandes necessidades” (nº.198).
A Bíblia mostra brilhantemente como os Presbíteros devem exercer o seu ministério eficazmente: “Apascentai o rebanho de Deus que vos foi confiado, cuidando dele, não como por coação, mas livre vontade, como Deus o quer, nem por torpe ganância, mas por devoção, nem como senhores daqueles que vos couberam por sorte, mas, antes, como modelos do rebanho. Assim, quando aparecer o supremo pastor, recebereis a coroa imarcescível da glória” (1 Pd 5,2-4).
Nesta linha de pensamento, a Presbyterorum Ordinis salienta também que “o fim que visam os Presbíteros, por seu ministério e vida, é ocupar-se da glória de Deus Pai em Cristo [...] e levar os homens a se adiantarem na vida divina” ( nº. 2).
O sacerdote só é realmente feliz em Cristo Ressuscitado. Isto quer dizer que a felicidade plena e verdadeira do sacerdote é o Emanuel. Muitos cristãos católicos colocam no centro da fé cristã: Maria, os Anjos, os Santos, a RCC, a Pastoral da Família, a Catequese, o Apostolado da Oração, a Legião de Maria, o dinheiro, carro, apartamento. É lamentável! O essencial é o Messias.
Muitos católicos falam mais da Mãe do Redentor, porém, esquecem do Filho do homem, que é a centralidade da pregação evangélica. A Mãe do Verbo Encarnado nunca quis tomar o lugar de Jesus. Ela jamais quis ser o centro da fé cristã. Talvez seja por falta de conhecimento teológico que alguns católicos fazem as seguintes afirmações: Maria cura, Maria salva. Quem cura é Jesus; ela simplesmente intercede ao seu Filho. Quem salva é Jesus. Este é o único Salvador (cf. At 4,12).
Portanto, a Santa Mãe Igreja ama profundamente Maria Santíssima, a Mãe de Jesus. No entanto, a própria Igreja tem consciência que o modelo por excelência da Espiritualidade Sacerdotal é cristológico, não mariológico. Ou seja, O Filho de Deus é a essência da Espiritualidade sacerdotal. Ele é o Bom Pastor (cf. Jo10,11), a luz do mundo (cf. Jo 8,12), a Ressurreição ( cf. Jo 11,25), o pão da vida ( cf. Jo 6,48), a Verdade ( cf. Jo 14,6), a Videira ( cf. Jo 15,1). Jesus é o Bom Pastor porque “se despoja da própria vida por suas ovelhas” (Jo 10,11), “conhece as ovelhas” (Jo 10,14), “conhece o Pai” (Jo 10,15). Cristo é “o grande pastor das ovelhas” (Hb 13,20).
No mais, o Presbítero deve permanecer em comunhão com o Bom Pastor: “Permanecei em mim, como eu em vós [...], porque, sem mim, nada podeis fazer” (Jo 15,4-5). Quando o sacerdote não está em comunhão com o “Sumo sacerdote, santo, inocente, imaculado, separado dos pecadores, elevado acima dos céus” (Hb 7,26), é meramente um “funcionário” do sagrado, mas não pastor. A vida toda de Cristo foi um autêntico sacerdócio, o mais perfeito entre a humanidade. Só o Filho do homem é plenamente Sacerdote. Cristo é o Sacerdote dos sacerdotes!

Tenório Fialho dos Santos. Acadêmico do 3° ano de teologia do Seminário Maior Nossa Senhora da Conceição, Aracaju, Se.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

CONTEXTO DO NOVO TESTAMENTO

Introdução

Estudar o contexto do Novo Testamento é perceber que os acontecimentos que marcaram a passagem do Velho ao Novo Testamento não ocorreram de uma hora para outra, mas seguiram um percurso histórico que sofreu influência de duas grandes religiões, a saber, o Paganismo e o Judaísmo.

A partir da vinda de Jesus muita coisa mudou na história do povo de Deus, a começar pela implantação de um novo reino não mais baseado nas Leis de Moisés, mas sim no amor a Deus e ao próximo. Se antes o homem acreditava estar cumprindo a vontade de Deus por meio da observância das leis, agora a condição para se fazer a vontade divina é, antes de tudo, ouvir o próprio Verbo Encarnado, a Palavra de Deus que se revelou à humanidade em forma de carne e osso. É claro que essa novidade não viria a ser aceita de imediato por todos, até porque a Boa Nova é proposição e não imposição, mas, a partir da experiência que a humanidade vai tendo com Jesus, a partir também dos sinais realizados, o povo de Deus vai reconhecendo que a restauração de Israel estava mais próxima do que se podia imaginar.

É nesse sentido que nos propomos neste trabalho a refletir sobre o terreno no qual caiu a semente do Verbo, ou seja, o contexto histórico, social, econômico, cultural e religioso no qual o Novo Testamento estava por surgir, com a única finalidade de demonstrar que a voz de Deus não estava ecoando em uma realidade metafísica, mas sim no coração das pessoas que tinham uma história e que dela não podiam prescindir.

O Contexto do Novo Testamento:

No início do cristianismo, mais propriamente nos cem primeiros anos da era cristã, muitos foram os acontecimentos que marcaram a época, possibilitando uma mudança radical no contexto religioso da Palestina. As viagens de Paulo às várias comunidades favoreceram a expansão da pregação cristã, que deixou de ser realizada dentro dos limites do Judaísmo e passou a ter influência também entre o mundo pagão. Sendo assim, para melhor compreender o contexto do Novo Testamento, faz-se necessário analisar o Judaísmo e o Paganismo em sua composição e características próprias.

O Contexto Judaico:

Afirmar que alguém é judeu não significa dizer simplesmente que esse faz parte de uma comunidade política ou de uma raça, mas que participa de uma religião comum que aceita a Lei de Moisés como forma de vida e que manifesta sua religiosidade externamente a partir de três observâncias: a circuncisão, a santificação do sábado e as leis da purificação levítica. O templo era o lugar por excelência para o oferecimento dos sacrifícios. Os cultos eram realizados nas sinagogas e consistiam em orações, hinos, leituras da Escritura e homilias. A sede religiosa era o templo de Jerusalém e esse era o centro de referência que congregava os judeus e os mantinha unidos.

A força unitiva do judaísmo não era a política nem a raça mas a religião. Judeu era, primeiro e antes de tudo, aquele que aceitava a lei de Moisés como um modo de vida. Certas observâncias externas tornaram-se sinais de fidelidade ao judaísmo e, por conseguinte, receberam uma importância que não tinham no Israel primitivo [...] (MCKENZIE, 1972, p. 29).

Para a religião judaica, a observância da Lei era a única forma de se cumprir à vontade de Deus e a Ele estar unido. Deste modo, considerava o Pentateuco o “livro de ouro”, na medida em que ele se constituía de um conjunto de leis, associado à história das origens de Israel. Embora tais leis tratassem das várias questões cotidianas, não se podia afirmar que elas conseguiam normatizar toda a vida do povo judeu, sobretudo porque, na medida em que o tempo passava, o código ia se tornando defasado. Sendo assim, surge a necessidade de existir um grupo responsável por julgar todos os casos que não estivessem explicitamente incluídos nas leis. Aos que pertenciam a esse grupo foi dado o nome de escribas ou doutores da lei, sendo-lhes dada a responsabilidade de refletir, interpretar e aplicar as normas, bem como de julgar os casos não contemplados no “código penal”. A grande questão levantada por Jesus Cristo era quanto à possibilidade de alguém que não cumpre tais preceitos exigir rigidamente a outro o seu cumprimento.

Como conseqüência da diáspora, várias colônias judaicas foram se formando nas cidades que ficam na região do Mediterrâneo Oriental. Um bom número de judeus foi capturado como prisioneiros de guerra, outros fugiam da pobreza existente na Palestina e alguns se instalavam nas cidades, exercendo atividades no comércio, nas funções municipais ou nos vários outros ofícios existentes. Graças à dispersão, podemos identificar dois grupos de judeus que mais se destacaram na época: os judeus palestinianos e os judeus da diáspora. Os primeiros eram mais rigorosos e observavam com mais fidelidade a lei. Os demais, por terem se distanciado dos pilares do judaísmo e por terem entrado em contato com outras culturas, se aproximavam dos gentios, mantendo o culto das sinagogas e o estudo dos preceitos de Moisés, porém sem tanto rigor como o tinham os judeus da Palestina. Os primeiros, embora tivessem sofrido forte influência do helenismo, mantiveram-se fiéis a sua tradição. Os outros, por terem abandonado o rigor próprio de sua religião, parecem ter sofrido mais diretamente a influência da cultura grega.

De certo, os judeus formavam dois grandes grupos, mas, mesmo diante das características existentes em cada um, podemos afirmar que ambos se mantinham unidos e coesos por terem a mesma etnia, os mesmos preceitos religiosos, a mesma moral e a crença em um único Deus (Monoteísmo). A profissão de fé realizada pelos judeus da Palestina era a mesma dos da dispersão e isso motivava a todos a contribuírem com o templo e a se dedicarem com ardor à defesa dos interesses comuns, sobretudo os espirituais.

O povo judeu acreditava na existência de um Deus único, soberano, criador de todas as coisas, santo, justo, misericordioso, que amava os seres humanos, mas agia com justiça para com todos, castigando os que cometiam pecado e recompensando, conforme a sua vontade, aos bons e fiéis a aliança. Deste modo, reconhecendo e acreditando na existência de uma aliança de amor, feita entre Deus e o homem, é que cada indivíduo deveria se esforçar para não quebrar o compromisso sagrado, que visa levar o ser humano a salvação e baseia-se em cuidado da parte de Deus e obediência da parte dos homens.

O contrato realizado entre Javé e Abraão, renovado no tempo de Moisés, inscrito na Torá e nas instituições nacionais, implicava empenhos e obrigações recíprocas: proteção da parte de Deus, fidelidade aos mandamentos da parte do povo eleito. Consciente e ufano desta escolha, Israel se considerava como o arauto e o missionário do Deus-Único que ele servia. Donde a convicção, profundamente enraizada em toda a alma judia, de que a fé monoteísta era o bem próprio de Israel e de que a soberania de Javé não seria estabelecida no universo senão pela dominação do povo eleito sobre todos os reinos do mundo, e que a qualidade de “filhos de Abraão” implicava tantos deveres quantos direitos. Este apego à fé ancestral podia resultar, em compensação, num exclusivismo religioso, ciumento dos privilégios da nação predestinada. (FEUILLET, 1968, p. 33).

Outra crença presente na mentalidade judaica é a da existência dos anjos e dos demônios. São seres espirituais que constituem dois mundos opostos, o do bem e o do mal. Os anjos são espíritos celestes que contemplam a face de Deus e a Ele servem com dedicação e obediência. Eles estão divididos em grupos e classes diferentes, sendo que os três principais são Miguel (proteção), Gabriel (revelação) e Rafael (cura). Já os demônios são seres decaídos, que, por terem se rebelado contra Deus, foram expulsos do paraíso celeste. Seu objetivo é prejudicar o homem, seja espiritualmente, materialmente ou corporalmente. Lúcifer é o chefe dos demônios. Para evitar ser atingido por um espírito impuro, o judeu, frequentemente, rogava a presença dos anjos bons, realizava orações de exorcismo e evitava freqüentar lugares que fossem propícios ao mal.

Quanto ao messianismo, pode-se afirmar que os judeus acreditavam em uma espécie de ação messiânica realizada pelo próprio Deus, com o objetivo de restaurar a Israel e cumprir as promessas feitas a nação escolhida, implantando o reino de Deus aqui na terra e fazendo com que o povo eleito triunfasse sobre seus inimigos. Naquela ocasião, era difícil, para o povo judeu, acreditar em Jesus Cristo como sendo o filho de Deus, até porque, para os que professavam o judaísmo, depositar a esperança em alguém que se dizia filho de Deus, mas que, no entanto, havia nascido em uma manjedoura, do ventre de uma mulher e sem aparentemente nenhum poder e realeza era algo muito difícil. Aliás, a cruz era sinal de escândalo e “não se concebia o comparecimento de um Enviado celeste senão sob forma de um triunfo deslumbrante e absoluto da justiça e do poder de Deus”. (FEUILLET, 1968, p. 39).

Quanto à vinda do Messias, expressa Feuillet:

Fenômenos terrificantes serão os sinais anunciadores da vinda próxima do Messias. O profeta Elias retornará para preparar os caminhos do enviado de Deus. O Messias aparecerá enquanto os exilados reconquistarão a Palestina. Os poderes do mal se erguerão contra o Ungido e serão desbaratados por Ele. A cidade de Jerusalém será purificada e o Príncipe da paz nela instalará o seu trono. Os mortos ressuscitarão e Deus julgará os bons e os maus. A era da felicidade messiânica começara para os justos: será, então, a idade de ouro verdadeira sobre uma terra renovada. (1968, p. 40).

Com o intuito de cumprir a vontade de Deus, os judeus procuravam obedecer aos 613 preceitos existentes na Torá. Isso porque consideravam-na a máxima expressão da vontade divina, manifestada a Moisés e recomendada a todo o povo escolhido. Respeitar a Torá era sinal de grande respeito, amor e obediência a Deus. Era reconhecer também a grandeza do amor de Deus pelo homem. Por ser Palavra divina é que ninguém ousava tirar ou acrescentar nada ao que estava escrito, até porque, para eles, a Escritura Sagrada era uma espécie de personificação da divindade, que gerava vida naqueles que a conheciam e a colocavam em prática.

Contudo, embora a Torá fosse Palavra Eterna de Deus, nem todos conseguiam compreendê-la, necessitando assim de alguém que a conhecesse e sobre ela pudesse se debruçar para estudá-la, interpretá-la e transmiti-la com mais clareza ao povo de Deus. É aqui que surge a figura do sacerdote como representante da tradição e como interprete da Palavra.

Havia nos judeus um grande sentimento religioso que os levava a dedicar parte de seu tempo a oração, pessoal e comunitária, ao jejum e às obras de misericórdia. A prece privada, nome dado a oração pessoal, era realizada de forma espontânea e livre, permitindo ao fiel a elaboração de suas próprias orações de acordo com suas necessidades. As orações comunitárias eram realizadas nas sinagogas em horários pré-determinados, tendo como fonte inspiradora os salmos. Já o jejum era visto como uma forma de se humilhar diante de Deus, a fim de reparar o pecado cometido e/ou alcançar alguma graça especial. Por fim, as práticas de misericórdia consistiam em hospitalidade, cuidado para com os enfermos, auxílio aos órfãos, dentre outras.

O templo representava o centro da vida do povo judaico. Era nele que todos, até mesmo os judeus que viviam espalhados fora da Palestina, se reuniam para prestar culto a Deus. O Templo era a casa onde habitava o Deus único, santo, puro. Assim podemos perceber o poder que os sacerdotes tinham sobre o povo, sendo estes quem administrava o Templo e também por considerarem que estavam mais perto de Deus, e consequentemente eram eles os mais puros. A autoridade dos sacerdotes acabou transformando o Templo não só no centro da vida religiosa, mas também da vida política e econômica. É por isso que no tempo de Jesus o Templo possuía riquezas imensas, o Tesouro Nacional, e toda a cúpula governamental agia a partir do Templo. Desse modo, a morada de Deus se transformou num lugar de poder. Quando Jesus expulsou os comerciantes do Templo, estava, na verdade, atacando o alicerce da sociedade judaica.

O Templo era o lugar de culto e o povo freqüentava, principalmente por ocasião das grandes festas. Na vida comum, porém, o centro religioso era constituído pela sinagoga, presente até mesmo nos menores povoados. Era o lugar onde o povo se reunia para a oração, para ouvir a Palavra de Deus e para a pregação, explicando o texto e relacionando-o com outros textos. Pelos Evangelhos sabemos que pelo menos uma vez Jesus, que era leigo, se apresentou para fazer a leitura do texto e interpretá-lo.

Jesus voltou então para a Galiléia, com a força do Espírito, e sua fama espalhou-se por toda a região circunvizinha. Ensinava nas sinagogas e era glorificado por todos. Ele foi a Nazaré, onde fora criado, e, segundo seu costume, entrou em dia de sábado na sinagoga e levantou-se para fazer a leitura. Foi-lhe entregue o livro do profeta Isaías; desenrolou-o, encontrando o lugar onde está escrito [...] Enrolou o livro, entregou-o ao servente e sentou-se. Todos na sinagoga olhavam-no atentos. Então começou a dizer-lhes: “hoje se cumpriu aos vossos ouvidos essa passagem da escritura”. Todos testemunhavam a seu respeito, e admiravam-se das palavras cheias de graça que saíam de sua boca. (Lucas 4, 14-22).

O sacerdote não tinha uma função especial na sinagoga, porque esta não era o lugar de culto litúrgico. Embora qualquer adulto pudesse presidir a reunião, nem todos o faziam, ou por serem analfabetos ou por não se julgarem preparados para um comentário. As reuniões acabavam então sempre animadas pelos escribas e fariseus que, cada vez, propagavam mais suas idéias e aumentavam sua influência sobre o povo, adquirindo prestígio cada vez maior. Em Jerusalém, algumas sinagogas tinham até hospedaria e instalação de banheiros para peregrinos. Até hoje as sinagogas são casas de oração e reunião dos judeus espalhados no mundo.

No tempo de Jesus, três festas exerciam um papel importante - Páscoa, Pentecostes, e Tendas. São as festas de peregrinação em que o povo se reunia para manifestar a solidariedade, a união, e para celebrar os grandes feitos do Senhor, libertador do seu povo. Cada uma delas durava uma semana inteira e vinha gente de todos os lugares. Os peregrinos de várias aldeias viajavam até Jerusalém em caravanas para evitar assaltos ou surpresas desagradáveis. Na festa da Páscoa se celebrava a libertação da escravidão do Egito, além de outros acontecimentos da história. Foi durante essa festa que Jesus instituiu a Eucaristia, foi preso e morto. Ele é o autêntico cordeiro de Deus.

Na festa de Pentecostes, celebrada 50 dias após a Páscoa, era o momento de renovar a Aliança que Deus fizera com o seu povo no monte Sinai. Na festa das Tendas, cada família construía nos arredores de Jerusalém uma cabana de folhagens, na qual morava por uma semana, relembrando os antepassados que moraram em cabanas quando saíram do Egito. À noite, acendiam-se candelabros de ouro no Templo e o povo saia em procissão levando tochas, iluminando assim a cidade inteira.

Antes de passarmos ao contexto pagão, verificaremos agora de modo sucinto os principais grupos religiosos existentes no judaísmo da época de Jesus:

1.1 – Escribas: Grupo de letrados que possuía autoridade e prestígio diante da função que exercia na sociedade. Eram os doutores da Lei; aqueles que cuidavam da reflexão moral e do direito. Eram guias espirituais do povo, influenciando e determinando até as regras que dirigiam o culto. Seu grande poder residia no saber, pois eram especialistas na interpretação da Sagrada Escritura. Como a Escritura era a base da vida do povo judaico, os escribas acabavam se tornando especialistas em direito, administração e educação.

1.2 – Fariseus: Grupo dos separados, dos opositores, daqueles que presavam pela observância da lei, pela santificação e pela pureza ritual. Tal grupo procurava ser fiel a conservação do sábado como dia do Senhor, ao pagamento do dízimo sagrado e a busca de uma espécie de pureza interior. Por se apegarem a lei, comumente, atribuíam fardos pesados aos outros, quando nem eles mesmos eram se quer capazes de carregá-los. Mesmo assim, gozavam de grande estima por parte da população, que via neles um modelo de zelo religioso e de dignidade moral.

1.3 – Saduceus: Em sua maioria eram provenientes de famílias ricas e sacerdotais, embora admitissem a presença e participação de membros de outras classes sociais. Era um grupo pequeno, mas de muita influência. Dele provinham os Anciãos, isto é, aqueles que controlavam a administração da justiça no tribunal supremo, chamado Sinédrio; do mesmo grupo provinha também a elite sacerdotal, que administrava o Templo e era responsável pelo culto. Os saduceus, portanto, concentravam em suas mãos todo o poder político. Sendo assim, não eram muito bem vistos pelo povo, até porque eram conservadores e aceitavam somente a lei dada a Moisés e expressa no Pentateuco, desprezando os demais livros do Antigo Testamento.

1.4 – Essênios: Era uma espécie de grupo monástico. Viviam em comunidade, exercendo a partilha dos bens e cultivando a fraternidade como forma de tornar a comunidade forte e unida. Mantinham uma espécie de comunidade em Qumrã, esforçando-se por preservar as tradições de pureza religiosa e moral do Antigo Testamento. Alguns viviam uma continência sexual por meio do celibato, embora alguns manuais deixem claro a existências de membros que se davam em casamento, como forma de preservar a espécie.

Além dos grupos acima citados, poderíamos falar ainda dos Zelotas, dos Herodianos e dos Samaritanos, que embora não sejam judeus, tiveram grande influência no contexto religioso do novo testamento. Contudo, como nosso objetivo não é fazer uma explanação aprofundada dos grupos étnicos, religiosos, políticos e sociais da época, concluiremos aqui essa breve apresentação, a fim de prosseguir o nosso trabalho.

O contexto Pagão:

Se foi difícil para o cristianismo adentrar na cultura Judaica, que possuía características semelhantes, imagine na cultura pagã, que se apresentava com particularidades completamente distintas das do cristianismo. A começar pela prática do politeísmo e pela existência de uma espécie de sincretismo religioso. Ainda assim, diante da religiosidade manifestada pelo povo pagão, não se pode desprezar a riqueza cultural e de tradição existentes nesse outro tipo de religião.

A religião grega era politeísta, atribuindo a cada deus uma função ou ocupação específica. O homem helenista preocupava-se apenas consigo mesmo e deixava de lado as questões relacionadas ao bem comum. Sua vida consistia em agradar aos deuses para deles receber favores e não ser alvo de sua ira. É nesse contexto que se valoriza o oráculo, como lugar apropriado para ouvir o destino dos fiéis, e a religião adquire uma dimensão de mistério, sobretudo por meio do culto aos mortos e da crença na eudaimonia.

A religião do helenismo tardio caracteriza-se pela fascinação ante forças obscuras que regem o destino do universo perante as forças da natureza e as do mundo subterrâneo que se impõem implacavelmente ao homem, ante as forças de destruição e de morte. Como consciência disso têm grande influência na piedade popular as crenças e as práticas que permitem controlar a influência destas forças ocultas na vida do homem. (ECHEGARAY, 2000, p. 340).

A fé existente no povo pagão fazia com que ele acreditasse em curas milagrosas, realizadas pelos deuses. O processo de concessão da cura fazia com que os fiéis recorressem ao templo, uma vez que, para ser curado, cada indivíduo deveria passar uma noite no lugar sagrado, a fim de ouvir as orientações dadas pelos deuses durante o sono. Associada a essa prática, estava também a ingestão da água sagrada, encontrada no templo. E isso não era o suficiente, pois os pagãos acreditavam no poder da magia, enquanto ações que canalizavam as energias e as forças demoníacas para o bem, na astrologia e na adivinhação, como forma de revelação divina.

Outro fator importante, presente na cultura pagã, era o culto imperial destinado aos imperadores. Partindo do pressuposto de que toda autoridade provinha dos deuses, o povo pagão obedecia e reverenciava cegamente ao representante do império. O que nos leva a pensar em quantas barbaridades foram cometidas, utilizando-se deste elemento como forma de legitimação do poder.

A religião mistérica tinha por objetivo ligar o homem a divindade. Para isso, era necessário que os pagãos passassem por ritos de iniciação que favorecessem a comunhão do ser humano com o ser divino e assim o homem recebesse a salvação. Já o gnosticismo defendia a tese de que, para ser salvo, cada indivíduo deveria trilhar o caminho do conhecimento e só assim ele poderia retornar as origens, conhecendo o mistério que existe a partir da queda: “a alma origina-se nas esferas celestes, porém é enganada pela libido e cai através das sete esferas celestes, cada uma das quais arranca-lhe uma de suas propriedades, até encerrar-se no corpo que lhe serve de cobertura”. (ECHEGARAY, 2000, p. 346).

Conclusão:

Antes de adentrar no estudo do novo testamento, é importante conhecer o contexto cultural, social, político e, sobretudo, religioso no qual estava inserido o nascer da nova religião. Alias, não podemos esquecer que a igreja nascente recebeu a missão do próprio filho de Deus de anunciar o evangelho a toda criatura, sendo, portanto, necessário um conhecimento amplo das demais religiões existentes na época de Jesus e da origem do cristianismo.

Nota-se claramente a partir desse estudo que o cristianismo precisou “dialogar” seriamente com o judaísmo e com o paganismo. Visto que, essas duas religiões influenciavam de forma decisiva a vida das pessoas da época de Jesus. Essa não foi uma relação tão fácil de ser posta em prática, até porque, pensemos em religiões que não nasceram da noite para o dia, mas que tinham séculos e séculos de história, uma baseada no Antigo Testamento, mais propriamente na Torá, outra alicerçada no pensamento grego que durante muito tempo perdurou na história da humanidade.

Sendo assim, o objetivo deste trabalho foi oferecer, em linhas gerais, um conhecimento sobre o contexto no qual surgiu o cristianismo e a situação religiosa das regiões habitadas pelo povo de Deus e pelos greco-romanos. Todavia, não se abordou todos os aspectos com profundidade, mas preocupou-se apenas em dar uma pincelada, de modo a suscitar na mente dos leitores o desejo de aprofundar tal conteúdo. Deste modo, espera-se que este trabalho seja uma fonte segura de pesquisa para os que desejarem conhecer o cristianismo em sua origem e relação com as demais religiões.

Bibliografia:

ADAN MAURICIO. Acadêmico do curso de Teologia do Seminério Maior Nossa Senhora da Conceição.

Bíblia de Jerusalém. Ed. Revista e Ampliada. São Paulo: Paulus, 2003.

Bíblia Sagrada Africana. Moçambique: Paulinas, 2004.

BRIGHT, John. História de Israel. 3ª Ed. São Paulo: Paulinas, 1978. Nova Coleção Bíblica, 7.

ECHEGARAY, J. González e outros. Introdução ao Estudo da Bíblia: A Bíblia e seu Contexto. 2ª Ed. V.1. São Paulo: Ave-Maria, 2000.

FEUILLET, Robert. Introdução a Bíblia: Novo Testamento. V.3. São Paulo: Editora Herder, 1968.

MCKENZIE, John L. S.J. Os grandes temas do Novo Testamento. Rio de Janeiro: Vozes, 1972.

ISLAMISMO

ISLAMISMO

O que é islamismo, Islã e muçulmano?

O islamismo é a religião fundada pelo profeta Maomé no início do século VII, na região da Arábia. O Islã é o conjunto dos povos de civilização islâmica, que professam o islamismo; em resumo, é o mundo dos seguidores dessa religião. O muçulmano é o seguidor da fé islâmica, também chamado por alguns de islamita. O termo maometano às vezes é usado para se referir ao muçulmano, mas muitos rejeitam essa expressão - afinal, a religião seria de devoção a Deus, e não ao profeta Maomé.

De onde vem o termo Islã?

Em árabe, Islã significa "rendição" ou "submissão" e se refere à obrigação do muçulmano de seguir a vontade de Deus. O termo está ligado a outra palavra árabe, salam, que significa "paz" - o que reforça o caráter pacífico e tolerante da fé islâmica. O termo surgiu por obra do fundador do islamismo, o profeta Maomé, que dedicou a vida à tentativa de promover a paz em sua Arábia natal.

Todos os muçulmanos são árabes?

Esta é uma das mais famosas distorções a respeito do Islã. Na verdade, o Oriente Médio reúne somente cerca de 18% da população muçulmana no mundo - sendo que turcos, afegãos e iranianos (persas) não são sequer árabes. Outros 30% de muçulmanos estão no subcontinente indiano (Índia e Paquistão), 20% no norte da África, 17% no sudeste da Ásia e 10% na Rússia e na China. Há minorias muçulmanas em quase todas as partes do mundo, inclusive nos EUA (cerca de 6 milhões) e no Brasil (entre 1,5 milhão e 2 milhões). A maior comunidade islâmica do mundo vive na Indonésia.

As raízes do islamismo são conflitantes com as origens do cristianismo e judaísmo?

Não. Assim como as duas outras grandes religiões monoteístas, as raízes do islamismo vêm do profeta Abraão. O profeta Maomé, fundador do islamismo, seria descendente do primeiro filho de Abraão, Ismael. Moisés e Jesus seriam descendentes do filho mais novo de Abraão, Isaac. Abraão, o patriarca do judaísmo, estabeleceu as bases do que hoje é a cidade de Meca e construiu a Caaba - todos os muçulmanos se voltam a ela quando realizam suas orações.

Os muçulmanos acreditam num Deus diferente?

Não, pois Alá é simplesmente a palavra árabe para "Deus". A aceitação de um Deus único é idêntica à de judeus e cristãos. Deus tem o mesmo nome no judaísmo, no cristianismo e no islamismo, e Alá é o mesmo Deus adorado pelos judeus, cristãos e muçulmanos.

Como alguém se torna muçulmano?

Não é preciso ter nascido muçulmano ou ser casado com um praticante da religião. Também não é necessário estudar ou se preparar especialmente para a conversão. Uma pessoa se torna muçulmana quando proferir, em árabe e diante de uma testemunha, que "não há divindade além de Deus, e Mohammad é o Mensageiro de Deus". O processo de conversão extremamente simples é apontado como um dos motivos para a rápida expansão do islamismo pelo mundo. A jornada para a prática completa da fé, contudo, é muito mais complexa. Nessa tarefa, outros muçulmanos devem ajudar no ensinamento.

Os muçulmanos praticam uma religião violenta ou extremista?

Uma minoria entre os cerca de 1,3 bilhão de praticantes da religião é adepta de interpretações radicais dos ensinamentos de Maomé. Entre eles, a violência contra outros povos e religiões é considerada uma forma de garantir a sobrevivência do Islã em seu estado puro. Para a maioria dos seguidores do islamismo, contudo, a religião muçulmana é de paz e tolerância.

O Islã oprime a mulher?

A base da religião muçulmana não determina qualquer tipo de discriminação grave contra a mulher. No entanto, as interpretações radicais das escrituras deram origem a casos brutais. A opressão contra a mulher é comum nos países que seguem com rigor a Sharia, a lei islâmica, e têm tradições contrárias à libertação da mulher. Assim, o problema da opressão à mulher muçulmana não é causado pela crença islâmica em si - ele surgiu em culturas que incorporaram tradições prejudiciais às mulheres. Um ótimo exemplo disso é o fato de que o uso de véus e a adoção de outros costumes que causam estranheza no Ocidente muitas vezes são mantidos por mulheres mesmo quando não há nenhuma obrigação. Ou seja: os hábitos estão integrados às culturas, não necessariamente à religião.

Os muçulmanos são mais atrasados do que os povos ocidentais?

Durante séculos, as civilizações do Islã foram muito superiores às ocidentais. A combinação de idéias orientais e ocidentais provocou grandes avanços na Medicina, Matemática, Física, Arquitetura e Artes, entre outras áreas. Muitos elementos importantes para o avanço do homem, como os instrumentos de navegação marítima e os sistemas algébricos, surgiram no Islã. Nos últimos séculos, contudo, os povos do ocidente conquistaram a supremacia das novas descobertas. A religião islâmica não pode ser apontada como origem do abismo crescente entre algumas potências do Ocidente e alguns países subdesenvolvidos do Islã. O fundamentalismo muçulmano, contudo, é visto por muitos especialistas como enorme barreira ao avanço destes povos orientais.

O Islã é um obstáculo para a democracia?

Os especialistas se dividem em relação a esse assunto. Para muitos, a religião e cultura islâmica formou sociedades em que os princípios democráticos não ganham espaço nem atraem as pessoas. Quem acredita nessa linha de pensamento consideram que é inútil tentar impor regimes democráticos no Islã - a própria população não estaria disposta a abraçar a mudança. Mas outros analistas dizem que o islamismo não impede o florescimento da democracia, e que os países muçulmanos têm ditaduras e monarquias por causa de outros fatores. Seja qual for a explicação, o fato é que as democracias são raras no Islã: só a Indonésia, a Turquia e Bangladesh têm esse tipo de regime.

Material Didático utilizado pelo Seminarista Adan, acadêmico do curso de Teologia do Seminário Maior Nossa Senhora da Conceição, para a apresentação de seminário na disciplina “História da Igreja.”

TRABALHO SOBRE " O EXÍLIO BABILÔNICO"

Introdução

O exílio marcou profundamente o povo de Israel, embora sua duração fosse relativamente pequena. De 587 a 538 a E.C., Israel não conhecerá mais independência. O reino do Norte já havia desaparecido em 722 a.E.C. com a destruição da capital, Samaria. E a maior parte da população dispersou-se entre outros povos dominados pela Assíria, o reino do Sul também terminará tragicamente em 587 a.E.C. com a destruição da capital Jerusalém, e parte da população será deportada para a Babilônia. Tanto os que permaneceram em Judá como os que partirem para o exílio carregaram a imagem de uma cidade destruída e das instituições desfeitas: o Templo, o Culto, a Monarquia, a Classe Sacerdotal. Uns e outros, de forma diversa, viveram a experiência da dor, da saudade, da indignação, e a consciência de culpa pela catástrofe que se abateu sobre o reino de Judá.

Os escritos que surgiram em Judá no período do exílio revelam a intensidade do sofrimento e da desolação que o povo viveu. São os livros de: Lamentações, Jeremias e Abdias. Os exilados na Babilônia igualmente recordaram na dor os que viveram: “A beira dos canais de Babilônia nos sentamos, e choramos com saudades de Sião; nos salgueiros que ali estavam penduramos nossas harpas. Lá, os que nos exilaram pediam canções, nossos raptores queriam alegria: Cantai-nos um canto de Sião! Como poderíamos cantar um canto do Senhor numa terra estrangeira?” (Sl 137).

A experiência foi vivida pelos que ficaram e pelos que saíram como provação, castigo e reconhecimento da própria infidelidade à aliança com Deus. Pouco a pouco foram retomando a confiança em Deus que pode salvar o seu povo e os conduzirá nesse Êxodo de volta a Sião, conforme afirma o Segundo Isaías. “Deus novamente devolverá a terra ao povo como a deu no passado.” (Ez 48). De fato, no Segundo Isaías já se entrevê a libertação do povo que virá por meio de Ciro, rei da Pérsia. Ele será o novo dominador não só de Judá e Israel, mas de todo o Oriente. Ciro será, de fato, o “ungido”, o salvador do povo de Judá e dos exilados?

Entretanto, os Caldeus, um povo que tinha se instalado na Babilônia alguns séculos antes (naquelas civilizações, as mudanças eram percebidas depois de séculos), acabaram assumindo o controle da região. Nínive foi invadida e incendiada. Nem as crianças assírias foram poupadas das degolas. Assim, os Caldeus utilizaram a guerra para dominar a Mesopotâmia. Esse novo império da Babilônia foi conquistado durante o reinado caldeu de Nabucodonosor. Ele dominou regiões distantes, onde hoje estão o Líbano, a Síria e Israel. Esse fato está registrado na Bíblia, que fala da invasão da cidade de Jerusalém e escravidão dos habitantes do povo Hebreu (Judeu). A cidade foi melhorada, ganhou grandes períodos. O mais famoso foram os Jardins Suspensos da Babilônia, um Ziguarte com plantas e árvores trazidas da Pérsia. Verdadeira montanha artificial. A distante Pérsia estava mais próxima do que parecia. Depois da morte de Nabucodonosor, os persas chefiados pelo rei Ciro dominaram a região em 538 a.C.. Assim, o cativeiro da Babilônia, período entre a deportação dos judeus da palestina para a Babilônia, efetuada pelo rei Nabucodonosor II, e a libertação em 538 a.C., pelo rei da Persa, Ciro. No entanto, Nabucodonosor II (reinou de 605-562 a.C.), fundador da dinastia Caldeia do novo Império Babilônico, que conquistou a maior parte do sudoeste da Ásia Menor; conhecido também como grande construtor do Império da Babilônia.

Exílio à Cativeiro

Exílio em Babilônia, Cativeiro em Babilônia ou Exílio Babilônico é o nome geralmente usado para designar a deportação em massa e exílio dos judeus do antigo Reino de Judá para a Babilônia por Nabucodonosor II. Este período histórico foi marcado pela atividade dos profetas do Antigo Testamento, Jeremias, Ezequiel e Daniel. A primeira deportação teve início em 598 a.C.. Jerusalém é saqueada e o jovem Joaquim, Rei de Judá, rende-se voluntariamente. O Templo de Jerusalém é parcialmente sitiada e uma grande parte da nobreza, os oficiais militares e artífices, inclusive o Rei, são levados para o Exílio em Babilônia. Zedequias, tio do Rei Joaquim, é nomeado por Nabucodonosor II como rei vassalo. Precisamente 11 anos depois, em resultado de nova revolta no Reino de Judá, ocorre a segunda deportação em 587 a.C. e a conseqüente destruição de Jerusalém e seu Templo.

Naquele tempo, os oficiais de Nabucodonosor, rei da Babilônia, marcharam contra Jerusalém e a cidade foi sitiada. Nabucodonosor, rei da Babilônia, veio em pessoa atacar a cidade, enquanto seus soldados a sitiavam. Então Jeeonias, rei de Judá, foi ter com rei de Babilônia, ele e sua mãe, seus oficiais, seus dignitários e seus eunucos, e o rei da Babilônia os fez prisioneiros [...]. Levou para o cativeiro Jerusalém inteira. (II Reis 24, 10-14).

Governando os poucos judeus remanescentes da terra de Judá, os mais pobres, ficou Gedalias nomeado por Nabucodonosor II. Dois meses depois, Gedalias é assassinado e os poucos habitantes que restavam fogem para o Egito com medo de represálias, deixando a terra de Judá (ex-Reinado de Judá) efetivamente sem habitantes e suas cidades em ruínas. É certo que o período de cativeiro “em Babilônia” terminou no primeiro ano de reinado de Ciro II (538 a.C./537 a.C.) após a conquista da cidade de Babilônia (539 a.C.). Em conseqüência do Decreto de Ciro, os judeus exilados foram autorizados a regressar à terra de Judá, em particular a Jerusalém, para reconstruir o Templo.

Nabucodonosor II (632 a.C. – 562 a.C.) é o filho e sucessor do Rei Nabopolasar, e governou durante 43 anos o Império Neobabilônico, entre 604 a.C.. Não deve ser confundido com Nabucodonosor I. É o mais conhecido governante do Império Neobabilônico. Casou-se em 612 a.C. com a filha de Ciáxares, rei da Média. Foi sucedido pelo seu filho Evil-Merodaque. Ficou famoso pela conquista do Reino de Judá e pala destruição de Jerusalém e seu Templo em 587 a.C., além de suas monumentais construções na cidade da Babilônia: entre elas, os Jardins Suspensos da Babilônia, que ficaram conhecidos como uma das sete maravilhas do mundo antigo.

No entanto, seu reinado após a morte do rei assírio Assurbanipal em 631 a.C., o Império Assírio entrou em declínio, devido às revoltas dos povos dominados. Nabopolassar conquista Nínive em 612 a.C. com a ajuda dos Medos, seus vizinhos. O que resta do Império Assírio sucumbe definitivamente em 605 a.C.. Assim nasceu o Império Neo-babilônio, muito mais grandioso que o de Hamurabi. Nabucodonosor II expandiu seu império, conquistando boa parte da Cicília, síria, Fenícia e Judeia. Tomou Jerusalém e levou em cativeiro um grande número de seus habitantes, episódio conhecido como a primeira Diáspora Judaica ou o “cativeiro babilônico.”

Nabucodonosor, rei da Babilônia, veio atacar Jerusalém com todo o seu exercito; acampou diante da cidade e levantou trincheiras ao seu redor. A cidade ficou sitiada até o décimo primeiro ano de Sedecias. No dia nove do mês quando a fome se agravava na cidade e a população não tinha mais nada para comer, abriram uma brecha nas muralhas da cidade. Então todos os guerreiros escaparam de noite pela porta que há entre os dois muros perto do jardim do rei – os caldeus ainda cercavam a cidade -, e tomou o caminho da Arabá. O exercito dos caldeus perseguiu o rei e o alcançou nas planícies de Jericó, onde todos os soldados se dispersaram para longe dele. [...] degolaram os filhos de Sedecias na presença dele, depois Nabucodonosor furou os olhos de Sedecias, algemou-o e o conduziu para Babilônia. (II Reis 25, 1-7).

Já o Reinado de Judá conseguiu sobreviver até 587 a.C., quando foi dominado pelos neobabilônios, que destruíram o templo de Jerusalém e levaram os hebreus como prisioneiros para o seu território. Esse episódio tornou-se conhecido como Cativeiro da Babilônia. Esse cativeiro dos hebreus durou até 539 a.C., ano em que os persas, um povo que habitava o leste da Mesopotâmia, conquistaram a Babilônia e permitiram a volta dos hebreus para seu território, onde eles reconstruíram o templo de Jerusalém. Mais tarde, foram dominados sucessivamente por outros povos, como os macedônicos e os romanos. No ano 70, os judeus revoltaram-se contra a dominação romana. Os romanos responderam destruindo o segundo templo de Jerusalém e reprimindo duramente os rebeldes. Os judeus foram escravizados e dispersos pelo Império Romano. Desta maneira, ocorreu um grande impacto na cultura judaica.

Quando o povo judeu (israelitas) regressou à terra de Judá, encontrou uma mescla de povos, os samaritanos – que praticava uma religião com alguns pontos comuns com a religião do Antigo Israel. As hostilidades cresceram entre os judeus que regressavam e os samaritanos, uma divisão religiosa que permanece. O cativeiro em Babilônica e o regresso do povo judeu à terra de Judá foram entendidos como um dos grandes atos centrais no drama da relação entre o Deus de Israel e o seu povo arrependido. O caso do Reino de Judá foi muito diferente do destino das 10 Tribos que formavam o Reino de Israel Setentrional. Tal como o Antigo Egito, agora os judeus estavam predestinados a serem punidos por Deus usando o Império Neo-babilônio e, mais uma vez, libertos. Esta experiência coletiva teve efeitos muito importantes na sua religião e cultura. Assim marca o surgimento da leitura e estudo da Torá nas sinagogas locais na vida religiosa dos judeus dispersos pelo mundo.

Por isso, trata do exílio da Babilônia é colocar em evidência uma experiência do povo de Jerusalém, o que pede uma breve contextualização nacional e internacional daquele período, isto é, uma pequena análise de conjuntura e ainda o peso dessa experiência para o povo da gola (do exílio), para os dispersos e para as gerações futuras. Assim, o exílio que aconteceu no século VI a.C., foi fruto da expansão territorial imperialista da Babilônia, mas antes da Babilônia convém fazer colocações sobre a Assíria.

Judá já havia se livrado da destruição Assíria por volta do ano 701, ficando somente sob o estado de vassalagem, o que aconteceu devida uma política interna estável e boas relações externas. Já no período próximo à invasão babilônica, a situação política de Judá estava um tanto instável. No século VII a.C., Manassés tinha imprimido um regime opressor ao povo (II Reis 21,1-18; 21-16). Após a sua morte, o seu sucessor é assassinado por seus ministros (II Reis 19-26), o que causa grande tensão interna e proporcionará a intenção do povo da terra, ou seja, os chamados Judaístas, que entronam uma criança de oito anos, Josias. Isso implica o “povo” no poder. Josias instala uma reforma que visa a atender parte das reivindicações do povo da terra, contudo acontece nessa reforma uma centralização do culto e investido militares, que desembocou na vitória dos egípcios em 609 a.C.. Nessa época Josias é morto e os Javistas voltam a proclamar um rei, dessa vez é Jeocaz, que ocupou o trono por três meses, foi deposto pelo Egito (Jr 22,10-12), que impõe Joaquim como rei, iniciando mais um período de opressão para o povo de Judá exploração tributaria e repressão até sua morte em 598 a.C.. Seu filho Joaquim é quem colherá o fruto de sua política externa e aparente diplomacia. Joaquim vai investir em uma política contra a Babilônia, o que vai ressaltar na ação Babilônica para evitar avanços do Egito. Em 597 a.C. Jerusalém é desmilitarizada e cerca de 10 mil pessoas são deportadas, como já vimos anteriormente em (II Reis 24, 14-16). Por volta de dez anos depois Zedequias é o líder político imposto e que vai se rebelar contra os Babilônicos, resultando na destruição e desurbanização de Judá em 587 a.C. e consequentemente o segundo exílio, mas ao que indica Jeremias (52,30) aconteceu outro exílio em 582 a.C., chegando a somar 15 mil pessoas de Jerusalém na Babilônia.

Em Judá permaneceu, sobretudo, o povo do campo, pois a mesma (Judá) foi desurbanizada por grupos proféticos, litúrgicos e cantores. É desses grupos que surgirá a literatura renascente, ou seja, a leitura do exílio a partir dos que ficaram na terra. Não havia mais o Estado de Israel, havia grupos que viviam nos campos, o que traz uma semelhança com o sistema tribal. Por outro lado, os moradores das cidades que ficaram estava arrasados, tudo tinha sido destruído: o templo, os prédios, a estrutura urbana. Tudo estava em ruínas após 587 a.C., do povo das cidades é que surgem as lamentações, pois para os que serviam o templo restou a oração de lamentações (Jr 41,4-7). Temos ainda o grupo dos que fugiram para o Egito ou outras partes, estes compõem a diáspora (II Reis 25,25-26), também a estes o texto de Segundo Isaías se dirige quando trata do segundo Êxodo, (Is 48,21; 52,12; 55,12). Já o povo do exílio não ficou distanciado, mas agrupado em uma só região. Provavelmente ficaram às margens de rios (Sl 137), e outros estiveram na corte da Babilônia. Com essas “regalias” de exilados, o povo de Judá pode se reunir e retornar a sua história de povo que assume como único Deus. Portanto,

No período histórico do ano 400 na narrativa do profeta Isaías, o povo de Judá experimenta a dominação assíria, depois a caldeia e finalmente a persa, de características diferentes cada uma, mas todas elas imperialistas. No meio desse trajeto situa-se o exílio babilônico de Judá. Este país viveu o fim da monarquia, a escravidão do exílio e as tentativas de restauração sob a administração persa. (CROATTO, 1989, p. 11).

Um dos períodos mais difíceis e dolorosos foi o exílio, quando Jerusalém e o Templo foram destruídos, o povo perdeu a terra e foi deportado. Mas também foi motivo de renovação e retomada da fidelidade a Deus. Com isso, as causas dos exílios do povo de Israel no decorrer da sua historia foram: o Clima (A busca de sobrevivência – fome) “Houve uma fome na terra e Abraão desceu ao Egito, para aí ficar, pois a fome assolava a terra.” (Gn 12,10; Rt 1,16); a posição geográfica (Favorecia o intercâmbio com outros povos e continentes) “Por isso desci a fim de libertá-lo da Mao dos egípcios, e para fezê-lo subir desta terra para uma terra boa e vasta, terra que mana leite e mel, o lugar dos cananeus, dos heteus, dos amorreus, dos ferezeus, dos heveus e dos jebuseus.” (Ex 3,8); a expansão territorial dos povos vizinhos (Exerceram seu domínio político sobre a região de Canaã. Assim, deportando e expulsando parte da população). Outra causa foi o serviço militar (Trocas de favores por recompensas de terras); a busca de melhores condições econômicas (As famílias encontraram boa situação econômica em outros países), e por fim, a perseguição e outros fatores (Levaram muitos israelitas saírem de suas terras, sobretudo no período dos Selêucidas). Desta forma, o exílio é uma experiência que marca não só Israel, mas grande parte da população de todos os tempos e povos em contextos similares.

Na angústia da destruição surge a esperança de sobreviver na terra. Esse contexto marca a lamentação do povo exilado (Lm 1, 1-3.11; 2, 6.14.11-12.19-20; 5,11-12).

Nossa herança passou a estranhos, nossas casas a desconhecidos. Somos órfãos, já não temos pai; nossas mães são como viúvas. Nossa água por dinheiro a bebemos, nossa lenha entra como pagamento. O julgo está sobre nosso pescoço, empurraram-nos; estamos exaustos, não nos dão descanso. (Lm 5,2-5).

A destruição não havia poupado nenhuma cidade importante de Judá. (2Rs 24,13-17; 25,8-12). As áreas que ficaram desocupadas com a saída dos deportados foram povoadas não só pela população camponesa que ficou de Judá, mas também pelos povos vizinhos (Jr 47. 48. 49). Povos filisteus, moabitas e amonitas, edomitas, assírios e árabes. Assim, “Os sobreviventes recomeçaram lentamente a povoar as cidades e reconstruí-las. Os assentamentos judaicos concentraram-se nas regiões periféricas e em algumas distantes, provavelmente causando a separação com Judá logo na primeira deportação em 597 a.E.C. (CROATTO, 1989, p. 25). Desta maneira, Godolias iniciou seu governo com um programa de reconstruções, convidando os remanescentes da catástrofe a repovoar as cidades e a retomar as atividades cotidianas. Assim, alicerçou seu império de forma distributiva em relação a classe de proprietários locais, cujo direito não se fundamentava na herança nem na compra, mas na ordem dada pelo imperador da Babilônia. Portanto, a morte de Godolias (2Rs 25,25; Jr 40-44) expressa o medo de uma repressão maior, muitas famílias judias fugiram para o Egito, refugiando-se na colônia de Elefantina.

No entanto, o povo viveu neste período uma grande crise de fé devido os acontecimentos. Revolta contra Deus, ora de reconhecimento de sua culpa e por fim, um pedido de socorro.

Iahweh tencionou destruir o muro da filha de Sião: estendeu o prumo, não retirou sua Mão destruidora; enlutou baluarte e muro: juntos desmoronaram. Por terra derrubou suas portas, destruiu e quebrou seus ferrolhos; seu rei e seus príncipes estão entre os pagãos: não a Lei! E seus profetas já não recebem visão de Iahweh. [...] de lagrimas consomem-se meus olhos, de tremor minhas entranhas, por terra derrama-se meu fígado por causa da ruína da filha de meu povo enquanto pelas ruas da cidade desfalecem meninos e lactentes. Perguntam às suas mães: “onde há pão?” enquanto, como feridos, desfalecem pelas ruas da Cidade, exalando sua vida no regaço de sua mãe. [...] Seus profetas viram para ti vazio e aparência: não revelaram tua falta para mudar tua sorte, serviram-te oráculos de vazio e sedução. [...] Iahweh realizou o seu desígnio, executou sua palavra decretada desde os dias antigos; destruiu sem piedade; fez o inimigo alegrar-se às tuas custas, exaltou o vigor de teus adversários. (Lm 2,8-17).

Por isso o desespero do povo – tenta chamar a atenção de Deus. O povo se culpa – infidelidade a Deus; o povo renova a confiança em Deus. “O Senhor é bom para quem nele confia, para aquele que o busca. É bom esperar em silencio a salvação do Senhor.” (Lm 3-25s). Enquanto isso, um resto será salvo da catástrofe, porque Deus ama o seu povo. “O resto que escapou da casa de Judá tornará a lançar raízes em terra e a produzir frutos em cima. Com efeito, de Jerusalém saíra um resto e do monte Sião os sobreviventes. O zelo de Iahweh dos exércitos fará isto.” (Is 37,31-32; 2Rs 19,4; Mq 5,2; Is 4,3). Mas, desse resto nasceria uma nação forte e poderosa. “Odiai o mal e amai o bem, estabelecei o direito à porta; talvez Iahweh, Deus dos Exércitos, tenha compaixão do resto de José.” (Am 5,15).

Depois da destruição do reino de Judá em 587 a.C., nasce a consciência de serem eles o resto que foi disperso por Deus entre as nações. (Br 2,13; Ez 12,16) Israel se converterá. (Ez 6,9-10) Saberão então que eu sou o Senhor dos Exércitos. (Jr 23,3.5-6) O resto purificado para a restauração messiânica. Mas depois do exílio o “resto” é novamente infiel e será dizimado e purificado, como expressa bem o profeta Zacarias (13,8-9; 1,3; 8,11; 14,2). Deste resto final nascerá o rei Messias, o Emanuel comparado a uma pedra angular (Is 28,16-17) e ao broto em rebento de um povo Santo (Is 6,13; 11,1.10). Por isso, a promessa de que “um resto voltará” lembra retrospectivamente o nome de um filho de Isaias (7,3; 8,18).

Naquele dia, o resto de Israel, os sobreviventes da casa de Jacó não continuarão a apoiar-se sobre aquele que os fere; apoiar-se-ão sobre Iahweh, o Santo de Israel, com fidelidade. Um resto, o resto de Jacó, voltará ao Deus forte. Com efeito, ò Israel, ainda que o teu povo seja como a areia do mar, só um resto dele voltará, pois a destruição está decidida: a justiça transborda! Sim a destruição está decidida; o Senhor Iahweh dos Exércitos a fará executar no meio de toda a terra. (CROATTO, 1989, p. 83-84).

Portanto, mesmo exilado, o povo de Deus prosperou e cresceu. O exílio da Babilônia deixou marcas não só no povo que ficou na terra de Judá, mas também nos que foram deportados. Os remanescentes tinham a realidade de destruição sob os olhos. Já os que foram deportados carregaram consigo as imagens da cidade destruída, do povo disperso e massacrado, do culto desfeito. Estavam agora fora da terra, sem Templo, sem culto e sem os seus dirigentes. Muitos sonhos construídos ao longo dos anos foram desfeitos.

Em análise desse contexto, observamos que os babilônios não dispersaram os exilados, como fizeram os assírios. Surge um regime de servidão (Ez 1,1s; Ne 7,61; Is 42,22). Com isso, eles foram assentados em comunidades agrícolas (Ez 3,24; 33,30). Tudo isso favoreceu a conservação do patrimônio espiritual, religioso e cultural. Podiam falar a própria língua, observar seus costumes e suas práticas religiosas. Podiam livremente reunir-se, comprar terras, construir casas e comunicar-se com Judá, sua pátria. “Construí casas e instalai-vos; plantai pomares e comei os seus frutos.” (Jr 29,5). Na realidade, na Babilônia, conseguiram até certa prosperidade econômica num tempo relativamente curto.

Um dos personagens que marcaram àquele tempo, foi o profeta Ezequiel. O profeta vivia entre os exilados e os ajudava a alimentar a esperança do retorno à terra prometida. (Ez 48,1-29). Ainda que os deportados tivessem encontrado a possibilidade de reconstruírem suas vidas, viveram a experiência do exílio como uma grande catástrofe. Mas a saudade de Deus alimentava a fé e a esperança daquele povo. Assim, com o exílio, o povo pensava que todas as promessas de Deus tivessem falido: terra, descendência e um grande nome. Viveu uma enorme crise de fé no Senhor, seu Deus. Pois o deus da Babilônia, Marduc, havia vencido o Deus de Israel, tinha mais poder do que ele. Por isso, muitos exilados aderiram à religião de Marduc, não só por ele ser mais poderoso, mas porque poderiam obter alguns privilégios de seus senhores babilônios. “Que vem a ser este provérbio que vós usais na terra de Israel: os pais comeram uvas verdes e os dentes dos filhos ficaram embotados?” (Ez 18,2). “Assim diz o Senhor Iahweh: Tu beberás a taça da tua irmã – taça funda e larga. Tornar-te-ás objeto de escárnio e zombaria, tão grande será o seu conteúdo.” (Ez 23,32). Estamos pagando pelos nossos pecados ou dos nossos antepassados?

O que restar de um lado e do outro da porção sagrada e da propriedade reservada para a cidade, pertencerá ao príncipe. Assim, desde a propriedade dos levitas e desde a propriedade da cidade, que ficam no meio da porção pertencente ao príncipe, entre os limites de Judá e Benjamim estará a porção do príncipe. (Ez 48,21).

O chefe da nova terra não será mais um rei, e sim um príncipe. No exílio reafirmaram a identidade israelita mediante algumas práticas culturais e religiosas, como a circuncisão, a observância do sábado e da lei mosaica. O referencial não era o Templo, mas o Livro da Lei, as escrituras sagradas, anunciadas principalmente pelos profetas do exílio, Ezequiel e o Segundo Isaías. Mesmo assim, os exilados mantinham viva a fé pelas celebrações litúrgicas, orações e cânticos, embora não conseguissem esquecer Sião (Sl 137). Conservava a firme esperança de retornarem a ela, pois Deus havia prometido a eles, que se consideravam descendentes de Abraão (Gn 12,7). Isaías via o retorno do exílio como um novo êxodo, em cujo deserto haveria abundancia de água e toda espécie de Plantas. (Is 41,18-20).

Com o exílio na Babilônia surgiriam importantes escritas como de Ezequiel, o Segundo Isaías, partes do Levítico e Salmos. Eles infundem a esperança do retorno, de um novo êxodo em que Deus mesmo vai reunir o seu povo como o pastor reúne o seu rebanho. (Is 40,10-11). “Eis aqui o Senhor Deus.” Portanto, no exílio da Babilônia os sacerdotes e teólogos, formados em Jerusalém, interpretam a seu modo as antigas tradições patriarcas com a intenção de infundir fé nos exilados submersos pela apatia e pela dispersão. As promessas de numerosa descendência e de posse da terra se realizariam porque a Palavra de Deus é infalível.

Conclusão

O Exílio marcou profundamente o povo de Israel, embora sua duração fosse relativamente pequena. De 587 a 538 a.E.C., Israel não conhecerá mais a independência. O reino do Norte já havia desaparecido em 722 a.E.C. com a destruição da capital Samaria. E a maior parte da população dispersou-se entre outros povos dominados pela Assíria. O reino do Sul também terminará tragicamente em 587 a.E.C com a destruição da capital Jerusalém, e parte da população será deportada para a Babilônia. Assim, tanto os que permaneceram em Judá como os que partiram para o exílio carregaram a imagem de uma cidade destruída e das instituições desfeitas. A experiência foi vivida pelos que ficaram e pelos que saíram, como provação, castigo e reconhecimento da própria infidelidade à aliança com deus. Pouco a pouco foram retomando a confiança em Deus que pode salvar o seu povo e os conduzirá nesse Novo Êxodo de volta a Sião, conforme afirma o segundo Isaías. Deus novamente devolverá a terra ao povo como a deu no passado (Ez 48).

Portanto, os judeus deportados foram implantados numa região situada entre a Babilônia e o Uruk, ao longo do canal que Ezequiel 1,1 designa sob o nome de rio Kebar. Para todos aqueles exilados, a verdade é que a Babilônia, com seus canais, os seus jardins e os seus imponentes edifícios, devia construir um espetáculo pelo menos inesperado. Aos olhos de muito deles aquela cidade devia representar uma civilização e uma religião superiores às de Judá. Contudo, apesar do desastre que implicava o Exílio não deixou de ser para os judeus fieis, um período de intensa atividade e de reflexão. Foi nesta época, nomeadamente, que foi reunido o essencial dos elementos que permitiram levar a cabo a composição do Antigo Testamento sob a sua forma atual.

O exílio corresponde igualmente ao início da dispersão mundial dos judeus. Quando a Babilônia foi vencida, em 540 a.E.C. por Ciro, rei dos persas, e os exilados foram autorizados a regressar à sua terra, uma parte deles decidiu permanecer onde estava. Por outro lado, uma colônia judaica constituir-se-ia no século V, no Egito, em Elefantina, a norte da primeira catarata do Nilo. Composta Poe mercenários que tinham servido no exercito persa, possuía o seu próprio Templo. Já os que regressaram ao país, por volta de 539 a.E.C., tiveram de enfrentar numerosas dificuldades e o Templo só pôde ser reconstruído em 516 a.E.C. Neemias tinha encontrado Jerusalém num estado desolador. As muralhas estavam arruinadas e os raros habitantes que restavam tinham deixado de respeitar qualquer lei. Com a ajuda de Esdras, que foi seu sucessor, restabeleceu a ordem social e religiosa e permitiu assim a Judá sobreviver ao seu desastre.

Bibliografia

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